A resistência dos restaurantes tradicionais
Em Campinas, um deles é o nostálgico Rosário que permanece ativo no centro da cidade há 71 anos
Por Luiza Lanna
Campinas é uma metrópole no Estado de São Paulo, ou seja, uma cidade que tem mais de um milhão de habitantes e alto índice de desenvolvimento urbano, onde se concentram as principais atividades e empregos. Isso se estabeleceu depois de um longo processo de 260 anos que gerou crescimento em áreas específicas. Só no setor de alimentação, em 2017, por exemplo, a cidade arrecadou 19.815,6 bilhões com 5.572 estabelecimentos, de acordo com a Associação Comercial de Campinas, a ACIC. Mesmo com uma cidade cada vez mais modernizada, é possível encontrar aspectos que relembram a história da urbanização de Campinas, inclusive no setor já citado, de alimentação. É o caso do Restaurante Rosário que fica no coração do Centro.
Setor de alimentação em Campinas. Infográfico: Luiza Lanna
Apesar de hoje grande parte do setor de alimentação ter ganhado fast-foods e restaurantes nos modelos norte-americanos, o historiador Daniel Florence diz que alguns tradicionais permanecem no tempo e no espaço. "Assim como também o Eden Bar, pois apresentam uma visão e um cardápio nostálgico do que Campinas foi no passado, ainda mais com um centro de muita história, um local de convívio, principalmente antes da construção dos shoppings centers”.
O gerente do restaurante há 30 anos, Arlindo de Paula, diz que muita gente escolhe ir aos shoppings, principalmente, pela questão de segurança, já que o Centro teve um abandono. Por isso, ele ressalta a importância de ter uma boa iluminação na rua, estacionamentos, vigias.
E ele repete que os clientes são muito fiéis, “como uma família”, assim como o aposentado Arthur Carletti que frequenta com a família inteira. "O atendimento é muito bom, a comida também excelente, a sobremesa muito muito boa. Os garçons atendem a gente bem. Sou cliente há 40 anos, tenho 60, Desde os 20 anos venho aqui. O Rosário é o melhor de Campinas".
Arlindo de Paula é gerente do Rosário há 35 anos. Foto: Luiza Lanna
Família de Arthur Carletti, cliente há 40 anos. Foto: Luiza Lanna
O Rosário oferece comida brasileira em sua variedade: frutos do mar, massa, frango, carne, pizza, de tudo. O prato chefe da casa é o Camarão Saint Jacques - camarão recheado com catupiry à milanesa com arroz com passas com creme de leite e batata palha - que foi inventado aqui por um cozinheiro do restaurante e hoje é reproduzido em vários lugares.
Um dos pratos, Fettucine Alfredo com camarões. Foto: Luiza Lanna
O restaurante fica na Rua General Osório e foi criado em 1948, por três portugueses, quando ainda se estabelecia no Largo do Rosário. Arlindo de Paula é gerente do restaurante há trinta e cinco anos e conta que antigamente o local chamava Bar e Restaurante Rosário. “Era muito famoso porque naquela época um dos pontos do bonde era em frente ao bar. Era um ponto de encontro da população campineira”.
Hoje o Rosário fica na Rua Genaral Osório, no Centro de Campinas. Foto: Luiza Lanna
Nostalgia em tempos modernos
O historiador Daniel Florence explica que Campinas foi uma área predominante rural até as décadas de 1920 e 1930, devido às produções de fazendas cafeeiras. “Esse cenário ganha transição devido ao ‘boom’ do café, que desenvolve uma rede de comércio”. A partir daí, a modernização foi ficando mais intensa, passando a economia agrária e cafeeira para uma mais industrial voltada a comércios, industrias e serviços. Isso se junta com a crise de 1929 que afeta o setor cafeeiro e os investimentos então começam a ser focados realmente nesses outros negócios. Florence descreve que o desenho da área central de Campinas começa a se delimitar. “Campinas vai se tornando uma ‘mini São Paulo’ e o número de quarteirões entorno do Centro aumenta”.
Surge então nos anos de 1930, uma vila que vai concentrar o fluxo de comércios e serviços, “hotéis, cartórios, Campinas começa a ganhar uma cara mais moderna, vertical”, acrescenta historiador. O processo de verticalização - surgimento de edifícios - vem acompanhado de projetos urbanos que intensificam o aparecimento de prédios, como o “Plano de melhoramento Urbano” do urbanista Prestes Maia. "A cidade vai se articular com capital imobiliário, financeiro e começam a haver especulações”. O Largo do Rosário surge com um certo planejamento e muitos restaurantes em volta. O historiador frisa que esses estabelecimentos estão próximos de locais com prédios públicos, "como o fórum, ou seja, onde vai ter grande fluxo de pessoas".
Ao lado do fórum
E é exatamente nesse ponto do lado do antigo Fórum que o restaurante se estabeleceu pela primeira vez, antes de ir para o endereço atual. O gerente Arlindo de Paula relembra a transferência do Fórum para a Cidade Judiciária que inclusive foi uma grande mudança do centro para ele. Hoje o restaurante não é mais dos portugueses, e sim, de um homem que trabalhou como garçom e gerente do Rosário, até se tornar o dono, “ele trabalhou aqui por 60 anos e o filho com a esposa ajudam a tocar o negócio”, reforça de Paula.
Vista de dentro do restaurante para o Palácio Judiciário. Foto: Luiza Lanna
Assim como o centro e a cidade evoluíram, o restaurante se manteve ao longo dos anos acompanhando as transformações da sociedade, com algumas mudanças, "a gente tá acompanhando tendência de mercado, pintando, arrumando. Temos Facebook, uma agencia para fazer esse trabalho de renovação e hoje temos que trabalhar além do menu à la carte, o prato executivo, para atingir o ticket médio para os que trabalham no centro”.
Assim como o centro e a cidade evoluíram, o restaurante se manteve ao longo dos anos acompanhando as transformações da sociedade, com algumas mudanças, "a gente tá acompanhando tendência de mercado, pintando, arrumando. Temos Facebook, uma agencia para fazer esse trabalho de renovação e hoje temos que trabalhar além do menu à la carte, o prato executivo, para atingir o ticket médio para os que trabalham no centro”.
O gerente admite que mesmo assim o que traz os clientes é o tradicionalismo: "quem vem muito no restaurante Rosário são clientes tradicionais, que tão aqui todo final de semana, famílias de outras cidades próximas, que vêm com os filhos, netos, passam para as próximas gerações”. O empresário Carlos Said é um deles, cliente há 47 anos, ele elogia: “a comida do Rosario e os Garçons são nota 1000. Passa de pai, filho e neto. Meu pai tem 90 anos, frequenta há 70 anos, a idade do restaurante”.
Três gerações da família Said, frequentadores há 70 anos. Foto: Luiza Lanna
Segundo Arlindo de Paula, entre os 60 funcionários, vários são bem antigos. "Tenho o Gennaro como garçom que tem 40 anos aqui e outros funcionários com 30 anos de casa, cozinheiros 30 e 40 anos trabalhando aqui dentro, isso daqui é uma família. Tem muitos funcionários aposentados que não querem sair. A gente até tentou afastar o Gennaro e foi um caos, muitos clientes o procuravam, então pedimos que ele viesse trabalhar sexta, sábado e domingo”.
Garçom mais antigo
Conhecido como Gino, Gennaro Scagliarono tem 77 anos e trabalha há 38 anos no restaurante Rosário. Nascido na Ilha de Rodes, na Grécia, Gennaro conta que era de família muito pobre. Eles se mudaram para a Itália no fim da Segunda Guerra Mundial e depois, em 1955, vieram para o Brasil quando ele tinha 13 anos. ”Foi muito problemático, recém chegado no Brasil, mas no fim as coisas vão se ajeitando”.
Depoimento de Gennaro
sobre o trabalho como
garçom do Rosário.
Gennaro Scagliarono tem 77 anos e é garçom há 38. Foto: Luiza Lanna
Gino trabalhou em uma firma de porcelana na cidade de Pedreira antes de vir trabalhar em uma fábrica de tecidos, em Campinas. "Com o passar do tempo, entrei em um hotel e me informaram que eu tinha muita capacidade de trabalhar no Rosário. Ai vim conversar com o dono do Rosario e ele me aceitou. Estou aqui há 38 anos”.
Aposentado há 26 anos, Gennaro continua a trabalhar como garçom, para ele sua vida se deve muito ao restaurante. “Gosto de tudo aqui, foi minha casa, eu cresci aqui, construi minha casinha, os colegas ou patrões foram muito bons para mim. Foi uma vida muito boa!”. Com todos esses anos, ele tem uma lista de celebridades que já atendeu entre eles o Rei Pelé, Stênio Garcia, Vera Fischer, Antonio Fagundes, Paulo Goulart, Ney Matogrosso, Eva Vilma, e o ator e diretor brasileiro Carlos Zara, "que gostava de um bom uísque”, diz dando risadas.
SERVIÇO:
Restaurante Rosário
Onde: General Osório, 941, Centro - Campinas
Horário: das 11h às 23h (de segunda a segunda, incluindo feriados; tem delivery)
Telefone: (19) 3232-8400
Um dos salões do restaurante durante o horário de almoço. Foto: Luiza Lanna